25.3.12

Conta

Minha vó, me conta das suas memórias distantes, me fala um pouco de você pra eu saber quem eu sou e de onde vim. Pra eu saber do sangue e da força que tenho em mim, heranças herdadas de você.
Minha vó, desculpa eu não ter vindo antes lhe escutar, mas as coisas que tem valor a gente descobre é aos poucos, e é somente agora que venho.
Minha vó, obrigada por ser generosa comigo e não se fechar só porque estive tanto tempo fechada pra você(s).
Ah, vó, como eu queria um gravador pra guardar comigo suas palavras ditas e, mais que isso, pra guardar comigo suas memórias, como se pudesse herdá-las, como se as tornasse minhas.
Que vontade de reconstituir tudo, de fazer uma árvore genealógica das nossas histórias, parecida com aquela árvore grande que tinha nossos nomes e ficava pregada na parede de uma casa como um mapa.
De onde tudo vem? Do passado, da raiz.
Queria achar essas raízes que estão debaixo da terra - lugar onde tudo começa e tudo se finda.
Minha vó, como pode tanta fortaleza? Como pode depois de uma vida inteira juntos, suportar a perda? Como pode ser tronco forte num corpo tão fino, pequeno, numa idade tão gasta? Como pode, vó, tanta sabedoria pra saber viver a vida? Como pode ter tanta compreensão pra sentir saudade e, no entanto, não se deixar escravizar por ela?
Ah, vó, faz de conta que também aprendi a sabedoria, que aprendi a fazer queijos e requeijões; faz de conta que atravessei uma estradinha já chegando a noite e ouvi um mugido e temi muito ser o marruá que o vô tinha amansado; faz de conta que na minha casinha em beira de estrada perguntei a dois homens que pararam por lá (e já começavam a puxar conversa com o vô) se eles eram "de paz"; faz e conta e deixa eu refazer e recontar essas memórias e muitas mais.
Ah, vó, lembrei do batente na casa do Hélio que já havia esquecido, dos bancos que ficavam lá em cima e onde se ajuntavam as gentes depois da procissão; lembrei do sarapatéu, das petas guardadas em grandes latas de margarinas, do fogão à lenha.
Ah, Vó, me lembrei de mim!

1.3.12

Pra lembrar de nós

Tamina guardava suas memórias em seus diários, não era tanto por vontade própria, era pra atender vontade alheia, a do homem que(a)amava. Mas tivera de sair de seu país sem seus diários, sem suas memórias escritas. E sentia, agora, como eram tão seus aqueles escritos e tão suas aquelas memórias. E sua memória - sem as páginas, as letras e as leituras que lhe falavam como foi o passado - tornou-se escrava do esquecimento.
E eu que nada escrevi? Que não as tenho comigo? Que nunca poderei perder as memórias por não tê-las escrito? Como lembrá-las? Resta sair pelo mundo, viver o mundo e reencontrar as memórias no contato com o novo, que é velho, no contato com o velho, que é novo. Reencontrar o perdido nas diversas partes do mundo, assim aprendi com Tamina.

Com o livro do riso e do esquecimento, aprendi que preciso lembrar.