15.10.09

Vai, Segue, Corre, Deságua

Vai, segue, corre. Corre pro teu mar e te lança. Deságua nele, eu reprimo a vontade de te represar.

Vai, segue, corre, foge. Foge de mim, foge da forma que quero de dar; foge de toda essa mesquinhez e busca te ampliar e te ajuntar a outras águas.

Vai que nesta terra de represa tu morrerias e a sede de ninguém saciarias, que é terra também infértil. Vai alimentar seres molhados e te mistura a eles porque a terra seca apenas te suga, te suga, te acaba aos pouquinhos.

Vai que tu és rio que corre e rio que corre não se volta à fonte nem se deixa represar.

Rio que corre só almeja: Mar.

Vai, segue, corre, deságua, te lança, abraça, encontra e ama teu mar.

Vai pro teu azul infinito:

sê verde também.

27.7.09

Disseram que eu era histérica.

Disseram que eu era histérica, e me pus a acreditar. Sorri de satisfação ao saber que era. Não que eu goste de ser histérica realmente, mas gosto de me conhecer. E, quando descubro que há algo no mundo no qual eu me encaixo, um comportamento qualquer, eu sinto a sensação de pertencimento ou de conforto, porque uma explicação sobre mim sempre me acolhe e me aninha dizendo que tudo é normal, natural. Deve ser a mesma sensação de quem encontra uma alma gêmea.

Felicidade é descobrir o que se é; desvendar parte do mistério que se é; é encontrar sua alma gêmea, própria alma, histérica como você.

17.7.09

Ofegante

Cansada de querer corresponder a expectativas dos outros, cansada.
Cansada de não me assumir por inteiro, de não me jogar por inteiro, de não me mostrar por inteiro.
Quero outros cansaços em minha vida. Estes não mais.
Quero cansaços gloriosos, justificáveis, concebíveis.

Cansar por estudar demasiadamente
Cansar por amar absurdamente
Cansar por dançar intensamente
Por CRIAR ininterruptamente

Quero uma vida repleta de cansaços
e repousos breves - para novos cansaços.

5.7.09

Preciso encontrar um resquício de mim em você, qualquer que seja. Preciso que você me dirija alguma palavra, qualquer que seja. Só um pouco de atenção, um gole só.
O que custa dividir sua água com alguém sedento? hum? Me responda!
Não me traga silêncio, já não suporto isso!
Fale um NÃO bem grande. Um sim, um talvez.
Mas não emudeça. Não, não emudeça.
°
°
°

2.5.09

Prisioneiro

Sou meu próprio refúgio e também minha prisão. O lugar onde me guardo é o mesmo que me sufoca. Quero o grito de liberdade da alma, com o estardalhaço dos vidros que me rodeiam e nada escondem: Nenhum esconderijo é seguro se não for escuro, e todo ele é asfixiante.
Não me aguento mais nessa casa sem porta, não me aguento mais com janelas travadas. Morro de fome, sede, loucura e solidão. Morro e Moro; morro trancafiada e esta é a causa da morte. Quero sair desse lugar! Sair de mim..?
Cadê minha liberdade de outrora? A realidade começou já?

19.3.09

desConceitos

Gostaria de me ser sabendo, sabendo o que sou. E dizer que há um ser intacto, duradouro e meio previsível, com características marcantes e sabendo se explicar por se conhecer. Mas tudo que construo a respeito de mim mesmo é antes uma desconstrução. E tudo que sei é o que não sei de fato. E tudo se é não sendo, mas existindo apenas. Essa vida perecível, rasa e profunda é vida de tédio de não ser solidez e de encontrar solidão dentro de si. É que meus eus não interagem, não coexistem: cada um tem seu tempo pra se lançar em mim e ao mundo.
Sigo insistindo em saber o que sou, sigo desconstruindo, sigo almejando ser 'eulivre' de qualquer coisa fora de meu 'mim'. Sigo muda e buscando palavras. Estas, porém, me geram mais silêncio.

23.2.09

É sobre a corrupção que quero falar hoje. Corrupção da infância, ou da inocência da infância. Porque meninas hoje já nascem maquiadas e meio que envelhecidas também, adulteradas. Crianças, não mais crianças, Meninas não mais meninas. E todos meus valores, na tentativa de conservá-los, são denominados arcaicos. Só por querer ver uma pureza hoje quase inexistente. Talvez, na verdade, eu me reprima violentamente contra os meus instintos, ou a esse desejo carregado de força de me tornar mulher madura e segura, como essas crianças. De fato, a criança sou eu. Não, não estou querendo dizer que sou pura, inocente, mas, pelo menos, conservo em mim a admiração por tais qualidades. Mas, de que adianta mesmo julgá-las? Na verdade, crianças-adultas são muito mais crianças do que se imagina. E, quiçá, minha forma de olhá-las não vá além de uma visão distorcidada gerada pelas insubordinações a mim mesma.

28.1.09

Pensamento Globalizado

"Hipocrisia", todos já se apropriaram dessa palavra. Apropriar-se no sentido de querer ultilizá-la e pronunciá-la. E em acompanhamento, fazem cara enojada como quem nunca se utilizou dela. Ahh, Duvido! Duvido que nunca tenham mascarado qualquer coisa, os 100% sinceros. Utilizam-se da palavra apenas porque ela está no auge, na moda, é fashion. É fashion usar a marca da sinceridade, e, sobretudo, é ridículo, ultrapassado e completamente fora de moda não se mostrar um defensor de uma personalidade, digamos, verdadeira. A minha verdade é que sinto ânsia. E quero vomitar todas essas ações-reações prontas, a verdade minha é que às vezes também quero vomitar em cima de mim mesma, pra ver se me lavo depois.

27.1.09

"Mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará no imediato que absorve o instante presente e torna-o passado. Eu, viva e TreMeLuZenTe como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante, quero o seu fluxo."

LISPECTOR, Clarice

4.1.09

O amor nunca morre de morte natural. Añais Nin estava certa.

Morre porque o matamos ou o deixamos morrer.

Morre envenenado pela angústia. Morre enforcado pelo abraço. Morre esfaqueado pelas costas. Morre eletrocutado pela sinceridade. Morre atropelado pela grosseria. Morre sufocado pela desavença.

Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e missa de sétimo dia.

Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos e as lembranças deslocados.

O amor não morre de velhice, em paz com a cama e com a fortuna dos dedos.

Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia morno. Uma indiferença. Uma conversa surda. Morre porque queremos que morra. Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento.

O amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida.

O fim do amor não será suicídio. O amor é sempre homicídio. A boca estará estranhamente carregada.

Repassei os olhos pelos meus namoros e casamentos. Permiti que o amor morresse. Eu o vi indo para o mar de noite e não socorri. Eu vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei o corrimão. Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro acidente. Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o passado. Fui orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou ninguém. O orgulho não salva, o orgulho coleciona mortos.

No mínimo, merecia ser incriminado por omissão.

Mas talvez eu tenha matado meus amores. Seja um serial killer. Perigoso, silencioso, como todos os amantes, com aparência inofensiva de balconista. Fiz da dor uma alegria quando não restava alegria.

Mato; não confesso e repito os rituais. Escondo o corpo dela em meu próprio corpo. Durmo suando frio e disfarço que foi um pesadelo. Desfaço as pistas e suspeitas assim que termino o relacionamento. Queimo o que fui. E recomeço, com a certeza de que não houve testemunhas.
Mato porque não tolero o contraponto. A divergência. Mato porque ela conheceu meu lado escuro e estou envergonhado. Mato e mudo de personalidade, ao invés de conviver com minhas personalidades inacabadas e falhas.

Mato porque aguardava o elogio e recebia de volta a verdade.

O amor é perigoso para quem não resolveu seus problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o assoalho, o porão proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que precisava, reintegrar ao armário o que temia rever.

O amor é sempre assassinado. Para confiarmos a nossa vida para outra pessoa, devemos saber o que fizemos antes com ela.

CARPINEJAR, Fabrício.